terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Passou...

Eu estava distraída, descompromissada com o raciocínio, olhando as faixas da estrada. Foi aí que surgiu no retrovisor aquela imagem. Atrás de mim vinha veloz o passado, arrebatando a respiração, provocando a imaginação, galopando sem respeito por cima dos meus desejos simples.
Ilógica e diabólica coincidência, logo hoje que a melancolia se apossa de mim. Nas curvas procurei encaixar nossos olhares, o estranho hoje e o nosso futuro improvável. Possíveis são as escolhas, desenfreadas as paixões, absurdas as ilusões. Veio então uma boa e dura real reta, dessas que se ultrapassam caminhões gigantescos, e você num vulto instante passou por mim... Da janela eu vi alegrias acopladas no seu sorriso iluminado. Passou por mim, como se não me visse e não me viu, nem me invadiu como almejava, nem me feriu a carne mas dilacerou a alma. Cortou em pedaços as lembranças e esperanças tolas. Você passou por mim, não como um raio mas como um clarão de tarde de sol. Eu senti calor quando você passou, e náuseas recorrentes na medida em que apertava o peito aquele ar que se deslocou no tempo quando você cortou pela esquerda de mim. Entrelacei as mãos já convencida do repentino desespero da sua ultrapassagem, era amarga aquela imagem do passado que passou, ultrapassou e virou distância ali bem na minha frente...
Você aos poucos se distanciou, distanciou... Passou na pressa certa por mim e não me viu, ultrapassou no momento que deixou de existir para mim.
Amadurecida? Convencida? E foi se distanciando nas curvas, distanciando, me deixando pra trás nas retas e também nos quebra-molas. Eu permaneci impotente na velocidade cravada de 90km por nada, sozinha no vazio tosco da mudez, do pensamento esmagado do castelo aerado. Sumiu sem rastros, sem trevos nem desculpas. Chegamos ao mesmo destino em horários diversos e vidas distintas, um desencontro com ponto final, sem voltas e agora sem sonhos. Quando você passou por mim eu vi alegrias acopladas no seu sorriso iluminado, daquelas que um dia deixou em mim fogos de artifício. ‘2009’ assim passou, ultrapassou e sumiu na estrada.

Obrigada a todos que passaram por esta 'Ambição Literária' em 2009. Para 2010 ambiciono 'revê-los' por estes versos... Muita fé, saúde, paz no coração, coragem para se reinventar nos dias ruins, mais realizaçãoes e menos 'sonhar'. É o que desejo pra mim e para você!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Coisas de natal



Há 2009 anos nasceu um cara, numa tal de manjedoura numa gruta. O cara era pobre, sua mãe estava fugindo de uma perseguição sei lá, e ele foi nascer nesta gruta que servia de abrigo para animais nos arredores de Belém. Por causa disto se estabelece uma atmosfera diferente nesta época do ano. Enfeita-se a casa, as lojas, as ruas e praças. Junta-se a família, vem a parentada toda de não sei onde para uma ceia ou almoço. Organizam-se festas, confraternizações e sorteios de amigo-ocultos. É uma agitação, uma arrumação, compras sem fim, trânsito engarrafado, fila no estacionamento do supermercado, horas para achar uma vaga no shopping... Um reboliço, uma correria, uma gostosa enorme confusão! Olha que coisa mais maluca. Porque isso? Porque o cara falava de amor ao próximo, de se doar simplesmente, de fazer o bem, e por isso sua fama correu o tempo, vem se arrastando, se perpetuando de geração em geração durante séculos.
No nascimento do cara apareceram três reis magos vindos de muito longe guiados por uma estrela e trazendo presentes. Daí a tradição da troca de presentes. O ato de presentear faz o próximo feliz. Veja bem que o ‘presentear’ não passa só pelo material ele pode ser bem maior e fazer ainda mais feliz quem for agraciado, é o tal amor ao próximo. Para quem não tinha condições um bom velhinho, séculos atrás, distribuía presentes que ele mesmo confeccionava. A indústria cultural embarcou nesta lenda e criou com sucesso a figura do Papai Noel, com roupa vermelha pra ser associado à marca de um refrigerante. Daí quando a gente é criança acredita que é ele que nos oferta os presentes desde que o nosso bom comportamento seja aprovado. Mas tudo isso é por causa do cara, que falava de amor, não esqueça.
E natal tem um monte de coisas engraçadas, um monte de lembranças alegres para muita gente e outras nem tanto para uma outra porção de gente. Eu lembro de um natal muito festivo, quando eu tinha uns 7 ou 8 anos, nossa casa cheia com a tal parentada, minha mãe e minhas tias na cozinha o dia todo falando, gesticulando, rindo, fofocando e também preparando a ceia. O salpicão era trabalhoso, tinha que picar tudo aquilo, desfiar frango, e imaginem, ainda fritar muita batata palha porque naquele tempo não existiam ainda os saquinhos com batata palha já pronta. E onde iam misturar todos aqueles ingredientes? Era preciso uma bacia grande e na falta de uma, alguém deu idéia de usar a gaveta da geladeira. Entre muitas gargalhas assim foi feito. As carnes, como a leitoa, iam assar no forno da padaria, a sobremesa era a mesma de todos os anos e não se poderia deixar de fazer o tradicional ponche. Essa era a parte que minha mãe e minhas tias mais se divertiam, pareciam bruxas animadas e risonhas inventando uma poção mágica. Levava guaraná, eu acho, frutas picadas, a calda que sobrou do pêssego que enfeitou o peru, a calda que restou da cereja que enfeitou o pêssego do peru, e espumante, ou pinga mesmo, porque não? Como ele ficava bonito naquela poncheira de cristal, e à medida que a noite ia adentrando, a conversa ia se elevando, as risadas pipocando, o ponche ia sumindo. Eu lembro que flagrei minha avó colocando presentes debaixo da árvore e indiretamente me revelando cruelmente a verdade: Papai Noel não existe.
Também lembro de um dia de natal baixo astral, que passei sozinha, fui almoçar num restaurante, o mesmo tava fechado, ainda por cima começou a chover e eu não levei guarda-chuva. Ah que bom que as boas lembranças rederam mais versos, muito mais encantadores do que a sem graça ou até engraçada frase da lembrança triste!
Tudo isso é por causa do ensinamento simples e essencial que varreu a humanidade, tocou milhões de corações no mundo todo seja lá como for. É o amor ao próximo que o cara recitou em parábola. E mais uma vez se mantêm a tradição de estar com as pessoas queridas para lembrar e celebrar isto, com enfeites, publicidade, caridade, presentes, engarrafamento, salpicão na gaveta da geladeira, roupa nova, correria e chuva, é natal! Parabéns, feliz aniversário Jesus, você é o cara!

Foto: Ornamentação de natal no Largo do Rosário, por Karlinha