quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Livre


Raio veloz, voraz, atrevido
Nasce onde não permanece e esquece
Cai onde não carecia e assombra
Clareia para desorientar ou centrar

Aonde o sol alcança a noite
De onde tange o rio debaixo da travessia travessa do arco-íris
Quando o domingo se faz curvo
Aonde aponta a impossibilidade lógica do infinito

Luz acesa, labareda, exatidão
Concordar ou não?
Revelar em versos ao som da boca
Exalar sublime na respiração

Vaga também na falta de lucidez, na admirável incerteza do sonhar
Desenhado em tela, tragado numa refeição, em obra esculpido e traduzido
Sentimento, razão, profanação, singelo ato também pecador
Refinado e natural fato, na imaginação toma forma, contorno e cor

E não obedece o corpo porque acorrentados estão teus pés
Grito que ecoa somente nas veias, ninguém escuta
Canção de melodia desencontrada que não se ouve nem sutilmente roça a pele
Uma rima que nunca virou poesia, apenas sorriu os lábios numa graça íntima

Revira os olhos, congrega as mãos, sobe a pressão e palpita o coração
É só seu se quiser, nunca se revelará completo
Mas ruborizou a face, emudeceu a boca, escapou pelos poros em raro odor
Dirigiu sem rumo num passo curto e subiu, sucumbiu, sumiu

É da janela que ele sempre decola
E nas palavras se concretiza
Nos gestos vive
Sobrevive num mergulho luxuoso em sua memória


Voa, voa pensamento!
Só porque você é livre!
Foto: Vista do mirante da Baía dos Porcos- Morro Dois Irmãos- Fernando de Noronha, por KK

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

São-joanidades por uma são-jólatra*

- As igrejas, capelas e passinhos
- Os sobrados antigos com suas beiras e eiras
- Picolé do ‘Seu Amado’
- Churrasco do Ramon com aquela maionese caseira
- Amendoim torrado do Senhor Expedito ‘O velhinho do amendoim’
- Canelone da Cantina do Ítalo
- Procissões de Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Carmo
- Chouriço do Penna’s Bar
- Quaresma e Festa dos Passos
- Semana Santa com suas tradicionais e bem preservadas celebrações
- Bolinho de feijão e moela com mandioca do Bar Antônio José
- Feijão amigo do Espaço Livre ( a ‘Tia’ para as Insanaes)
- Filé de frango à milanesa do Zotti
- Iluminação de natal no Largo São Francisco
- Pinga com Mel do Vicentinho
- O cheiro de incenso que exala de algumas lojas, às 3 da tarde das sextas-feiras, sob o toque triste do sino dos Passos, ritual secular que ainda está vivo
- Inverno Cultural
- Lendas
- Festa do Divino em Matosinhos
- Peças de estanho
- Teatro Municipal
- Mercado Municipal
- Água das Águas Santas
- Ouvir o apito da Maria Fumaça
- Ouvir o dobrar dos sinos e as badaladas das horas
- Centenárias pontes de pedra
- Becos com nomes pitorescos
- A iluminação dos lampiões no Largo do Rosário
- Cinema no Cine Glória com aquela telona
- Broa de coalhada da Padaria Florença
- Pão com queijo e canela da Padaria Santo Antônio
- Pôr do sol na Serra do Lenheiro
- Lua cheia no meio das palmeiras do São Francisco ou sob o córrego do Lenheiro
- Cachoeira do Urubu
- A neblina no inverno
- Calçadão da Kibon lotado
- Carnaval com todos os blocos e Escolas de Samba
- Ver a banda passar no Largo do Rosário
- Bicentenárias orquestras
- Cerveja no Velho Chico acompanhada pela bela paisagem do Largo

E tantas outras coisas que eu esqueci ou que não existem mais... Sinta-se em casa pra listar suas são-joanidades também!
E para você que não é de São João fique à vontade também pra nos contar o que é que tem de único na sua cidade natal! Porque não importa o que, mas tudo que nos remete às nossas origens por mais simples que seja, nos enche de uma alegria saudosa, daquelas capazes de iluminar um dia!

*A expressão ‘são-jolátra’ foi citada por uma querida, a Dani Cunha, irmã de outra querida, a Déia. E adivinhem quem ela chamou de são-jólatra? Claro que eu, né gente???!!! =) E o que eu pude entender é que uma são-jólatra, é uma pessoa totalmente apaixonada por São João del Rei, que nutre por sua terrinha um sentimento sem freio e cego que beira o vício, a loucura. Mas do bem, assim digamos uma mistura sagrada e profana, no melhor estilo são-joanense de sentir!

Em tempo: A partir de hoje só publicarei fotos minhas. É que ando com medo da tal lei de direitos autorais. Não que meu blog seja muito visitado, tadinho, mas vai que um destes fotógrafos que eu tanto admiro e respeito (afinal sempre coloco os devidos créditos e links para página do referido) cismem em encrencar comigo e com minha inocente ‘Ambição’, não gostaria disto. E mesmo porque é muito chato mesmo você num belo passeio pela net se deparar com uma obra sua publicada por aí sem sua autorização! Agora, as fotos que eu já publiquei, ahhh... não vou apagar não, tá tão bonitinho assim, só mesmo se eles encrecarem...

Foto: Detalhe da torre de São Francisco de Assis e palmeiras, por... KK

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Depois da neblina


Imagino a neblina do inverno como uma moça triste que usa sempre um xale cinza de um pano muito fino. Ela anda sempre curvada, de cabeça baixa e mora num lugar que fica num morro muito alto, onde o cume claro, nunca se vê por causa da neblina.
Ela é estranha, aparece, visita a cidade e depois some. Em julho sua presença, meio sutil meio densa, é quase diária. As manhãs são dela, de intensa serração cobrindo todo o vale, a fazendo sorrir com uma sensação boa de aconchego e poder. Lá fora, tudo translúcido evidenciando todo o frio de mais um inverno e ela no seu canto, com o xale sempre por cima, admirando a bela paisagem.
“Neblina que baixa, sol que racha”.
Passou julho e ela já sente falta da cidade. Em Agosto a neblina vai ficando cada vez mais rara até não se avistar mais. Não irá mais planar por aquelas ruas, aquela praça do cruzeiro e do bar, a Capela de Nosso Senhor do Bonfim, pelos becos prosaicos, ao longo do curso do córrego, correndo leve pela grama e saltando as pontes de pedra.
Alguém sentirá sua ausência?
Neblina baixa e passa.
Ela sentirá falta de cada um destes cantos, nos seus mínimos detalhes, nos seus cheiros, sabores, tons e sons. Do piar da coruja na palmeira. Do céu estrelado em noite de lua cheia, igual a qualquer céu estrelado, mas diferente na moldura com a serra do Lenheiro, as torres das igrejas barrocas e telhados coloniais. Ela, egoísta, queria só para ela as estrelas e a lua encobrindo tudo acima da cidade.
E como soprava alto o vento de julho...
Deste uivar ela não sentirá falta. O que aqueles ventos pareciam dizer? Era uma vaia? Era um choro? Um grito de socorro? Eram os três e mais um adeus ácido que ecoava suas dores.
Para que tanta neblina a turvar as manhãs?
Ela tem culpa de ter em sua essência o desapego?
Ela planta a mágoa em nós, pobres personagens do frio. Ela faz ressurgir frases tenebrosas e as propagam dentro da nuvem própria de cada um de nós, num reviver doloroso. A neblina ainda não aprendeu a flutuar com cuidado, não sabe dar a mão às coisas que são sólidas, ela se desfaz no ar em gotas frias. Não sabe se olhar no espelho sem a névoa dos deslizes abruptos e nos arrebata caindo em nebuloso desatino para depois dar lugar ao sol que racha, que brilha, que queima.
Já reparou que algumas verdades sólidas em que acreditamos por muito tempo, em certos momentos da vida, em madrugadas de inverno, elas se desfazem no ar? Todo mundo já confiou na solidez de uma neblina, na sua resistência, na sua inabalável candura. Mas ela é fraca, tem uns pontos negros grudados não se sabe onde, e os vai arrastando pelos caminhos.
Numa das suas últimas aparições, soprou o vento forte de julho e arrancou uma flor de um galho de ipê. Era um ponto luminoso e mágico, renascentista, de quem nasceu num buquê alto de um galho retorcido e feio, despido de folhas. A flor do ipê dançou no meio da neblina, a coloriu de amarelo.
Não se pode alimentar redemoinhos de pontos negros, eles -mesmo miseravelmente pequenos- deixam tudo cinza. Como não se deve iludir com verdades palpáveis.
A neblina pretende voltar, melhor, mais consistente talvez. E para ela a cor da esperança é amarela, em agosto!

Escrito em julho de 2005, editado em julho de 2009*


Em Vila Velha: somente uma brisa fresca, uma maresia já que estou tão perto do mar. E esta brisa fresca traz consigo pó de minério, porque nem tudo é perfeito e tão perto também temos a Vale! O pó incansável deixa móveis e tudo mais com uma fina camada cinza escura, por mais que se limpe... Mas o sol, amarelo, reina pleno todas as manhãs!!!

*A gente não vê mas canetas, lápis e teclas de computador têm asas....

Foto: Ipê amarelo da Estação Ferroviária por Rodrigo Vicentini