segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Dos vazios

À viver a vida à fora e à dentro de nós, vamos percebendo desalinhos que não se aprumam fácil ou que nunca se erguerão! Estou a te falar dos vazios que não se preenchem mais, e que doem dor fina e cortante, de dia e de noite, madrugada também, e sem avisar. Recordo-te das fomes de sabores suaves perdidos no tempo, dos lugares da infância da gente que não vai voltar mais e das pessoas carinhosas, entes amados e apaixonados que se foram para lá. São manhãs amenas sem esperança de dias vivos. Vazios que não se pode preencher. Você corre tanto atrás, compra sapatos de salto alto e finas sandálias, degusta um brigadeiro e depois uma barra de chocolate e ainda um pedaço de bolo, sente dores na barriga e um vazio imenso. Como dói o abraço que não alcança aqueles braços, que triste não ouvir mais a ternura em voz, onde está o colorido sentimento que te deu forças e te elevou a face naquela bonita foto? Vazio que não se consegue preencher, não te situa em lugar nenhum, ele te expõe a tristeza camuflada, a cicatriz debaixo do queixo, e você queixa-se do dia, do tempo, das olheiras, da palidez, e se vê em melancolia, à beira do mar salgado do passado que nunca aconteceu, ou à beira-seveira de enfileirados casarios do passado que você queria que fosse agora. O seu sofá parece um barco à deriva, a sua sala um grande lago plácido que não se vê a margem, você está mudo, insatisfeito, olhar que nada vê, e coração que insiste em bater o ritmo dos desacreditados. Não se preenche vazios sólidos, aprenda! Muitos são os frutos do abacateiro, encorpados, viçosos, viscosos e outros menores que não vão gerar novos frutos porque a semente simplesmente não vai germinar ou porque no lugar da semente há um vazio, e a culpa não é sua! E então, mágica e cíclica como somente a vida é, você estará distraída, de chinelos, de cabelo solto, conversando besteiras, numa tarde vazia como esta de hoje e o sol incendiará novamente sua alma, e seu sorriso atravessará o largo do Carmo novamente! Acredita? Os vazios continuarão lá em alguma esquina, mas você inconscientemente os deixará ignorados. Vazios não são bons lugares para se visitar enfim!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Intocáveis e inesquecíveis

Tão bom chegar ao cinema cheia de vontade para ver um filme super bem indicado, diferente do que vinha ocorrendo. Eu assistia dentre os ‘blockbusters’ americanos em cartaz, cheios de faz de contas viajantes demais, releituras engraçadinhas de super-heróis, muito efeito especial, muito soco, e pouca poesia, àquele que julgasse o “menos pior”. E o francês (viva!) ‘Intocáveis’ correspondeu às boas expectativas! Driss (Omar Sy) é um sujeito que não teve oportunidades, criado num subúrbio francês, mas nos ensina, ao cuidar do aristocrata tetraplégico Philippe (François Cluzet), o que deveria pautar todas as relações humanas: simplicidade, franqueza, bom humor e igualdade de tratamento. A história desta relação se dá à medida que o personagem vivido com perfeição por Cluzet, ‘Philippe’ se deixa seduzir com o despojamento do rapaz e esta nova presença traz mudanças significativas àquela casa, seus moradores e funcionários. Por outro lado o, às vezes indócil e abrutalhado, Driss é convidado pelo aristocrata à experimentar um pouco de sensatez, civilidade e compostura. Mas o refinamento para ouvir uma ópera, Philippe não conseguiu passar ao seu ajudante, e é nesta hora que você deve aproveitar para dar uma boa gargalhada junto com Driss! À essa altura, diante da bela amizade construída com abundante generosidade gratuita entre dois homens de mundos opostos, eu pessimista que sou, já estava me preparando para um fim em que me debulharia em lágrimas. Mas como pude pensar assim? O filme baseado em fatos reais, com pinta de drama é uma comédia! Enchanté! È ótima a interpretação de Driss por Omar Sy, um jovem e envolvente ator, um gigante que parece descender da linhagem do norte-americano Michael Clarke Duncan, de ‘À espera de um milagre’, falecido há pouco tempo. Enfim, a prova de que esse tipo de filme agrada muito e estava sumido das telonas, está no sucesso de bilheteria, 20 milhões só no ano passado. Eu que o diga, com a sala lotada, assisti na primeira fila, com o pescoço erguido o tempo todo, e como valeu à pena!!! Se ainda não viu, faça um favor a si mesmo, corra aos cinemas antes que um novo monstro blockbuster descartável o tire de cartaz! Embora ‘Intocáveis’ (segunda maior bilheteria de um longa francês) já tenha entrado pra lista daqueles filmes inesquecíveis que a gente gosta de citar!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Há malas que vão para o além

Dentre alguns defeitos, apegada. Nunca dei importância ao trecho do poema que eu adoro, “Instantes”, atribuído ao escritor argentino Jorge Luís Borges, que diz: ‘Se voltasse a viver novamente, viajaria mais leve’! Mas eu sempre carreguei coisas demais, não arrastava bagagens pelas rodoviárias e aeroportos, mas verdadeiros baús, tanto que vez ou outra pagava por excessos. Nos dias que antecedem viagens em ocasiões pra mim especiais, na hora de arrumar as malas, me acompanha a dúvida do que usar, a instabilidade do tempo, a minha instabilidade. Será que vai combinar? Com isso, ao invés de uma calça, acabo levando três. Espero com ansiedade peculiar às vésperas de carnaval, semana santa e fim de ano, também a terceira semana de julho em São João del Rei. São dias lindos que carregam a sina de ter as mais baixas temperaturas do inverno, com prováveis charmosas neblinas ao amanhecer. É a semana da bela festa de Nossa Senhora do Carmo, dia 16, e depois é aniversário de uma amiga muito querida, oportunidade pra reencontrar velhos conhecidos e comemorar. Sem falar que é período de férias escolares e ‘Inverno Cultural’ pipocando eventos por todos os cantos, música, teatro e dança que colorem a cidade. Então eu crio expectativas, faço planos, combino almoços, passeios, visitas e outros encontros com familiares e amigos. Pensando em cada um destes momentos vou preparando a mala. Com zelo, escolho a dedo as melhores roupas e sapatos, metodicamente, criteriosamente e bem devagar pra nada faltar, nem aquela bota, nem o cachecol, e a jaqueta nova que comprei na liquidação. Tem que ter espaço pra nécessaire com as bijuterias, a outra com os cremes e perfumes, e ainda uma terceira com toda a parafernália da maquiagem. Tudo que você quer levar tem que estar ali dentro daquele espaço retangular, para mim sempre pequeno. O volume fica enorme, precisa fechar, e eu apelo pro velho hábito de sentar em cima de tudo para compactar. Quem nunca? O resultado é a reclamação de quem carrega a mala e o limite ultrapassado para a cota que cabe a cada passageiro. Foram cobrados 40 reais por excesso de bagagem, que eu nem me importei de pagar. O que interessa é que tudo estava ali e ia chegar comigo... ou não! A gente acha que nunca vai acontecer com a gente, mas um dia você desembarca feliz por chegar ao seu destino, e fica aguardando sua bagagem desfilar na esteira. Fica aguardando, aguardando, dezenas de malas, maletas, arcas, trouxas, sacolas, embrulhos, caixas, tudo vai passando, menos sua mala, até que a esteira pára. Dói, sua mala não veio, foi deixada em algum lugar, se perdeu, caiu no buraco horrendo das malas equivocadas. Extraviou! Que desespero! E agora? No meu caso, como o aeroporto Prefeito Octaviano de Almeida Neves é (ainda!) pequeno, não há esteira, o carrinho com as bagagens chega e você logo descobre que está nua, sem bagagem, sem chão, sem um pedaço de você. Preenchi um formulário e no item que pedia para descrever o que havia dentro da mala, a minha vontade foi escrever: minha alma, minha vida, o brinco que eu mais amava, o blusa que me caía bem e a jaqueta, ah a jaqueta que eu nem cheguei a usar! Mas não somos fúteis e nem materialistas, não é? Minha descrição foi simples, roupas e sapatos. Os funcionários da empresa aérea foram solícitos e políticos, prometeram minha bagagem de volta o quanto antes. Os dias foram passando e nada, eu ligava e eles ainda sem notícia do paradeiro da mala. E cada coisa que eu lembrava que estava lá dentro era uma fincada no peito, será que eu nunca mais iria ver minhas coisinhas? Os eventos não esperaram, foram acontecendo, e foi aí que comecei a entender Borges... ‘viajaria mais leve’! Diante do andor florido que parou em frente à janela que eu estava, abraçada à minha filha que batendo palmas e balançando as perninhas assistia pela primeira vez uma procissão, fui às lagrimas. Foi uma emoção única, inesquecível, e não fez diferença alguma eu estar vestida com um casaco de três invernos atrás que achei no armário.
Porque eu sentiria falta de um anel precioso se realmente o que me era caro era a consideração da amiga-comadre, o papo com as primas, o carinho das sobrinhas e priminho com minha filha? É de valor imensurável matar a saudade de estar com meus irmãos pra um almoço de domingo ou ter a casa cheia de amigos para a ‘Noite da Batata’! A felicidade tem luz própria, e eu a irradiava quando acordava de manhã e via da janela a cidade inteira abraçada numa bruma aconchegante, ou quando eu contemplava um pôr-do-sol cor de alaranjado ardente sobre a Serra do Lenheiro. Eu tinha brilho nos olhos quando simplesmente degustava uma broa de coalhada no café da tarde ou quando eu bebericava um quentão na barraquinha e curtia, depois do último dia da novena, um bom e inusitado samba na porta do cemitério, coisas que só minha São João del Rei tem! Nestes acontecimentos eu estava iluminada naturalmente não se fazia necessário o truque de passar em pontos do rosto o meu iluminador cremoso de marca famosa.
E então, eis que surge, três dias antes do meu regresso, a mala! Pesada, gorda, com tudo dentro! Senti alívio, não vou negar, mas eu já estava leve com alma lavada, e jurava pra mim mesma que dali em diante ‘viajaria mais leve’! Bom, tsc, mas isto é assunto para outra viagem, não para essa de retorno! É que eu carregava, além de todos os meus pertences, quatro pacotes dos cafés são-joanenses, Tamandaré e Soberano, para reabastecer meu estoque até a próxima vinda pra terrinha. Com esta valiosíssima carga a mais, não gosto nem de imaginar minha mala extraviada novamente! A prática do desapego, meu caríssimo Borges, fica adiada para o inverno de 2013! Foto 1: Ana Helena presenciando pela primeira vez a procissão de Nossa Senhora do Carmo por Bia Viegas Foto 2: Projeto ‘Samba na Praça’por Guia das Vertentes

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Pra botar o bloco na rua em 2013

Despede-se o mês de fevereiro, apaga-se todo o brilho de qualquer purpurina remanescente. Restam as recordações e o carnaval foi tão bom que alguns recortes ainda estão bem vivos no coração. Eu vou pensando, lembrando de outros anos e me pergunto quando aflorou esta paixão momesca. Ainda muito pequena, lembro de assistir das arquibancadas, as escolas desfilarem na avenida com meus pais, minha tia, comendo milho verde. Lembro do ano em que meu avô Lindolfo de Freitas, fundador do Rancho Qualquer Nome Serve foi homenageado na decoração da avenida com seu rosto pintado num imenso pandeiro. Lembro das matinês no Minas, as fantasias cheias de plumas. Mais adiante me vejo cortando e amarrando as pontas das fronhas velhas para vestir de gatinho. Depois os anos dos primeiros bailes, Vermelho e Branco no Athletic, e Hawaí na praça de esportes. E como parecia infinita a sexta-feira de carnaval, com o ‘Pão Molhado’ e ‘Alvorada’ no final. Foi neste ponto que em meio a tantas boas lembranças me entristeceu lembrar que a Banda do Pão Molhado não existe mais.
Era um bloco tão grande, mostrava-se tão forte, pulsante, com entusiasmo inesgotável, perene. Saia do Tijuco, arrastando uma multidão que invadia as ruas e desfilava num caminhão seu enorme pão, teoricamente molhado (seja com caldo de galinha ou cachaça), e ainda com distribuição de outros pãezinhos menores aos foliões!
Com início nos anos 70, desfilou por mais de 30 anos, mas acabou. O que faltou? Faltou passar o bastão, fazer despertar nos jovens o amor à batucada, faltou alimentar a magia de celebrar a vida com os amigos. Não faltou farinha, mas o fermento da renovação. Faltou entregar o anel de bamba a quem merecesse usar.
Não! Não ouso nem imaginar ver meus dois blocos mais queridos, ‘Copo Sujo’ e ‘Unidos da Cambalhota’ virar lembrança de um carnaval pro outro. Não! Não se pode deixar órfãos os foliões de hoje, não podemos desmerecer nossa riqueza cultural, nosso tradicional carnaval. Se a voz está cansada ensine alguém a cantar, mas veja bem, com a mesma emoção! Deixe a direção para alguém que também carregue o espírito do bloco, não cabe vaidade no samba. Deixe outro ritmista tomar seu lugar na bateria se seu braço não tem mais a mesma força pra tocar o surdo. Espontaneamente queira botar seu bloco na rua, chore sem vergonha de mostrar sua paixão, mas quando a bateria não mais te deixar arrepiado com as tradicionais paradinhas, é hora de dar um passo atrás e deixar passar à frente outro irmão ainda contagiado.
Para ser bloco de carnaval são-joanense é preciso amor incondicional e alegria, entender de harmonia, ter serpentinas e confetes escondidos em algum lugar durante o ano todo. Ser conjunto, massa, mas com algo de peculiar, seja um pão gigante ou um colchonete no chão para dar cambalhotas; um trocadilho com a ‘praia’ local; uma alegria inexplicável contida num refrão! Seus foliões podem estar de fraldas e chupetas; há de ser de faz de conta para homem vestir-se de mulher ou ainda unir a juventude pelo abadá cheio de cor. Abraçar uma respeitável velha guarda, outrora da ‘bandalheira’, com espírito infantil! Precisa desfilar na contramão da primeira hora da manhã ou protestar contra a política num deboche de que tudo continua sempre a mesma... ‘lerda’!
Não! Só não pode se deixar morrer, achar ridícula a fantasia e assim esquecê-la em casa, deixar cair pela ladeira ou da ponte da cadeia, o entusiasmo num samba menor, porque aí, não só cantaremos as lágrimas que o Roberto derramou, mas também as de centenas e centenas de arrebatados foliões. Pense nisso, você tem a quaresma, o ano inteiro, até o próximo fevereiro... se ascender!
Samba do Pão Molhado:
“Eu vim de longe só pra te ver
Dei a volta por cima e voltei pra você
Eu quero poder ainda ser feliz
Ouvir o sino da Matriz
Oh minha terra querida
Eu andei vagando por aí
Mas nunca me esqueci do meu lado verde e branco
Oh Pão Molhado
Esperei o ano inteiro
Pra chegar em fevereiro e reviver minha raiz”
Fonte: Vídeo 'Bloco do Pão Molhado'