É
um inverno poderoso o de São João del Rei, mas não, neve, nunca caiu! Porém um
outro fenômeno mágico enche de encantamento os lugares, nos arredores do Largo
das Mercês, campus Santo Antônio e
onde uma paineira imponente orquestrar uma chuva de painas que levarão longe
suas sementes. Assim, pairando no ar, ao sabor dos ventos, flocos de fino ‘algodão’
embelezam jardins e os caminhos, nossa neve são-joanense.
Na
minha casa tinha um travesseiro de painas, coberto com fronha já muito gasta
cujo branco já tinha perdido o tom e as tantas lavagens lhe conferiram um toque
de seda. Eu lembro de ficar ‘catando’ as sementes enquanto o sono não vinha. E
quando finalmente vinha, sonhos lindos o acompanhavam. Porque não sonho mais
aqueles sonhos antigos? Será talvez porque os travesseiros são outros? Feitos
de assustadores e misteriosos materiais sintéticos? Onde vai parar toda aquela
paina das paineiras se não mais em artesanais travesseiros de cidadezinhas?
Onde caem hoje as sementes que a paina, qual uma asa delta, carrega com a ajuda
do vento frio de julho?
Eu
já fiquei horas na janela daquele sobrado assistindo o voo daqueles blocos de
pequenas nuvens. Ou seriam pedacinhos de algodão doce voadores? Os pardais
sabiam muito bem, aquelas painas eram o aconchego do ninho, o forro perfeito
para botar os ovinhos e depois, a caminha ideal para seus filhotinhos, enfim
eram o amenizar das rudezas da vida. Por isso a pardoquinha, esperta como a natureza
a fez, ficava no telhado só observando o deslizar da paina no céu de intenso azul
e quando chegava a hora, num mergulho preciso, tomava o floco macio no bico e
levava para seu ninho.
O
sobrado ainda está lá, soberano daquela praça, mas a janela que agora tem
grades, não é mais minha. As paineiras ainda florescem todo inverno e enchem de
beleza os lugares. E os sonhos, alguns não me pertencem mais, mesmo assim ainda
sismo de sonhar. Mas há de ter um dia, do mês de julho, perto do dia de Nossa
Senhora do Carmo, quando o sol estiver brilhando forte num céu sem nuvens, e
amenizando o frio, um vento irá soprar diferente. Ele começará a bater
suavemente, fará uma curva na esquina e se tornará forte, bem diante da antiga
paineira que existe atrás do cemitério de Nossa Senhora das Mercês. Vai então soprar
com rigor e arrancar da casca do fruto do mais alto galho, um chumaço de paina com
uma semente especial, ela vai viajar e cair em solo fértil.
Assim
eu sonho, e sonhos - segundo Milton Nascimento, Lô e Márcio Borges - não
envelhecem! Eles atravessam invernos, travesseiros sintéticos, grades, são
testemunhas do brotar de outra paineira, seu crescimento ao longo dos anos e o
amadurecimento de seus frutos. Vejo tudo, sinto a maciez das painas na leveza
do ar, me reinvento num olhar da janela da alma daquele sobrado, e igual
passarinho, forro o ninho. Que o meu e o seu caminho assim seja no inverno da
jornada, repleto de pontinhos brancos encantados diante dos olhos, a plainar, a
confortar, a amenizar!