terça-feira, 18 de março de 2014

‘Os Caveiras’ e a Colombina– Um conto de carnaval

Segunda-feira de carnaval (de um ano de sua preferência).

A música ritmada por tambores inebriava os foliões que se lançavam à chuva de confetes sob uma noite pontilhada de estrelas e carregada de suspiros e brisas amenas. Em meio a multidão, uma Colombina vive sua fantasia e sorri naturalmente, é carnaval, o salão do clube está cheio de alegria. O par da menina, claro, é um altivo Pierrô.  Os dois vão dançando enlaçados ou sambando lado a lado, se cortejando e compondo aquela atmosfera. Uma história está para ser contada, para alguns se tornará uma lenda...


Eis que de repente, o som de muitos guizos desconcerta os olhares. Os sinos adornam a fantasia de um garoto que adentrou o baile, é o colorido Arlequim, vestido de desordem e liberdade. Ele tem o brilho das coisas verdadeiras, o amor lhe cerca e o banjo lhe completa. Os aguçados ouvidos da inveja rapidamente o ouviram e olhos medrosos o avistaram. Como num truque barato, malvado, assaltado pela insegurança, o ciumento Pierrô muda o ritmo, rodopia estupidamente seu par e com movimentos bruscos conduz a Colombina para fora do salão. Ela cai no chão...
Tolo Pierrô, foi o temor de que o sorriso do Arlequim pudesse iluminar o rosto de sua amada ou talvez (quem um dia irá saber) de que o coração da Colombina redescobrisse a contagiante presença do Arlequim. Mas o que se deu foi que a menina não entendeu a insensatez, porque as coisas quando toscas não tem razão. Estava tão feliz, apenas se deixava levar pela magia do carnaval, o que a mais ela fez? Se perguntava com os olhinhos perdidos.
Pierrô, palhaço triste, viu a decepção no rosto pálido da Colombina e não aguentou fita-la mais, deixou-a ali no chão e saiu correndo com sua fantasia de covardia.
Sem graça, a Colombina se ergueu com a ajuda de outros, tinha algumas dores, mas não sabia onde, estava machucada, mas não havia feridas à mostra. E agora? Como voltar à dança? Melhor descer as escadas da realidade e deixar o salão. Nem sua fantasia esconderia sua desilusão.
 Ao chegar à rua ela ouviu uma marcha sombria e conhecida, estava prestes a desfilar na avenida um bloco típico. O cortejo era o qual na sua infância ela mais gostava, embora tivesse enorme pavor! Era um bloco, muito antigo, tradicionalíssimo na cidade, onde os foliões se fantasiavam de criaturas da noite, bizarras, mal assombradas, vivos-mortos, vampiros asquerosos, fantasmas medonhos, caveiras horrendas, almas penadas que talvez desfilassem desde sempre, como convém às coisas eternas.


A Colombina, exímia dançarina que dança conforme a música, sem pensar e apenas sentindo, foi assim se juntar àquela procissão de horrores. Desfilando suavemente sua dor no meio do bloco, foi desenhando sua coreografia, deixando cair sua mãozinha e outrora a levantando ao som mais agudo de um clarinete (o/), como se fosse um balé de uma pequena bailarina de antigas caixinhas de música.
E assim com coragem e leveza, integrada estranhamente ao bloco, desceu a avenida jurando aprender a seguir sozinha, pois passista não significa passiva! O desfile na avenida foi sua viagem, sua catarse, um legítimo enterro daquilo que ela não desejava mais, daquelas sensações mesquinhas, das ofensas, da solidão maquiada. Eram todas aquelas caveiras...


O Pierrô está chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão, na estrada da vida, e sua lágrima pendente se eternizou tal como tatuagem embaixo do olho esquerdo.

O Arlequim? Se vai ou não vai um dia tomar a cintura de Colombina numa sexta-feira, descendo a ladeira, não importa agora. Isso é assunto para outros carnavais, caros foliões! Já adentramos aos ritos quaresmais...