Imagino a neblina do inverno como uma moça triste que usa sempre um xale cinza de um pano muito fino. Ela anda sempre curvada, de cabeça baixa e mora num lugar que fica num morro muito alto, onde o cume claro, nunca se vê por causa da neblina.
Ela é estranha, aparece, visita a cidade e depois some. Em julho sua presença, meio sutil meio densa, é quase diária. As manhãs são dela, de intensa serração cobrindo todo o vale, a fazendo sorrir com uma sensação boa de aconchego e poder. Lá fora, tudo translúcido evidenciando todo o frio de mais um inverno e ela no seu canto, com o xale sempre por cima, admirando a bela paisagem.
“Neblina que baixa, sol que racha”.
Passou julho e ela já sente falta da cidade. Em Agosto a neblina vai ficando cada vez mais rara até não se avistar mais. Não irá mais planar por aquelas ruas, aquela praça do cruzeiro e do bar, a Capela de Nosso Senhor do Bonfim, pelos becos prosaicos, ao longo do curso do córrego, correndo leve pela grama e saltando as pontes de pedra.
Alguém sentirá sua ausência?
Neblina baixa e passa.
Ela sentirá falta de cada um destes cantos, nos seus mínimos detalhes, nos seus cheiros, sabores, tons e sons. Do piar da coruja na palmeira. Do céu estrelado em noite de lua cheia, igual a qualquer céu estrelado, mas diferente na moldura com a serra do Lenheiro, as torres das igrejas barrocas e telhados coloniais. Ela, egoísta, queria só para ela as estrelas e a lua encobrindo tudo acima da cidade.
E como soprava alto o vento de julho...
Deste uivar ela não sentirá falta. O que aqueles ventos pareciam dizer? Era uma vaia? Era um choro? Um grito de socorro? Eram os três e mais um adeus ácido que ecoava suas dores.
Para que tanta neblina a turvar as manhãs?
Ela tem culpa de ter em sua essência o desapego?
Ela planta a mágoa em nós, pobres personagens do frio. Ela faz ressurgir frases tenebrosas e as propagam dentro da nuvem própria de cada um de nós, num reviver doloroso. A neblina ainda não aprendeu a flutuar com cuidado, não sabe dar a mão às coisas que são sólidas, ela se desfaz no ar em gotas frias. Não sabe se olhar no espelho sem a névoa dos deslizes abruptos e nos arrebata caindo em nebuloso desatino para depois dar lugar ao sol que racha, que brilha, que queima.
Já reparou que algumas verdades sólidas em que acreditamos por muito tempo, em certos momentos da vida, em madrugadas de inverno, elas se desfazem no ar? Todo mundo já confiou na solidez de uma neblina, na sua resistência, na sua inabalável candura. Mas ela é fraca, tem uns pontos negros grudados não se sabe onde, e os vai arrastando pelos caminhos.
Numa das suas últimas aparições, soprou o vento forte de julho e arrancou uma flor de um galho de ipê. Era um ponto luminoso e mágico, renascentista, de quem nasceu num buquê alto de um galho retorcido e feio, despido de folhas. A flor do ipê dançou no meio da neblina, a coloriu de amarelo.
Não se pode alimentar redemoinhos de pontos negros, eles -mesmo miseravelmente pequenos- deixam tudo cinza. Como não se deve iludir com verdades palpáveis.
A neblina pretende voltar, melhor, mais consistente talvez. E para ela a cor da esperança é amarela, em agosto!
Escrito em julho de 2005, editado em julho de 2009*
Em Vila Velha: somente uma brisa fresca, uma maresia já que estou tão perto do mar. E esta brisa fresca traz consigo pó de minério, porque nem tudo é perfeito e tão perto também temos a Vale! O pó incansável deixa móveis e tudo mais com uma fina camada cinza escura, por mais que se limpe... Mas o sol, amarelo, reina pleno todas as manhãs!!!
*A gente não vê mas canetas, lápis e teclas de computador têm asas....
Foto: Ipê amarelo da Estação Ferroviária por Rodrigo Vicentini
Ela é estranha, aparece, visita a cidade e depois some. Em julho sua presença, meio sutil meio densa, é quase diária. As manhãs são dela, de intensa serração cobrindo todo o vale, a fazendo sorrir com uma sensação boa de aconchego e poder. Lá fora, tudo translúcido evidenciando todo o frio de mais um inverno e ela no seu canto, com o xale sempre por cima, admirando a bela paisagem.
“Neblina que baixa, sol que racha”.
Passou julho e ela já sente falta da cidade. Em Agosto a neblina vai ficando cada vez mais rara até não se avistar mais. Não irá mais planar por aquelas ruas, aquela praça do cruzeiro e do bar, a Capela de Nosso Senhor do Bonfim, pelos becos prosaicos, ao longo do curso do córrego, correndo leve pela grama e saltando as pontes de pedra.
Alguém sentirá sua ausência?
Neblina baixa e passa.
Ela sentirá falta de cada um destes cantos, nos seus mínimos detalhes, nos seus cheiros, sabores, tons e sons. Do piar da coruja na palmeira. Do céu estrelado em noite de lua cheia, igual a qualquer céu estrelado, mas diferente na moldura com a serra do Lenheiro, as torres das igrejas barrocas e telhados coloniais. Ela, egoísta, queria só para ela as estrelas e a lua encobrindo tudo acima da cidade.
E como soprava alto o vento de julho...
Deste uivar ela não sentirá falta. O que aqueles ventos pareciam dizer? Era uma vaia? Era um choro? Um grito de socorro? Eram os três e mais um adeus ácido que ecoava suas dores.
Para que tanta neblina a turvar as manhãs?
Ela tem culpa de ter em sua essência o desapego?
Ela planta a mágoa em nós, pobres personagens do frio. Ela faz ressurgir frases tenebrosas e as propagam dentro da nuvem própria de cada um de nós, num reviver doloroso. A neblina ainda não aprendeu a flutuar com cuidado, não sabe dar a mão às coisas que são sólidas, ela se desfaz no ar em gotas frias. Não sabe se olhar no espelho sem a névoa dos deslizes abruptos e nos arrebata caindo em nebuloso desatino para depois dar lugar ao sol que racha, que brilha, que queima.
Já reparou que algumas verdades sólidas em que acreditamos por muito tempo, em certos momentos da vida, em madrugadas de inverno, elas se desfazem no ar? Todo mundo já confiou na solidez de uma neblina, na sua resistência, na sua inabalável candura. Mas ela é fraca, tem uns pontos negros grudados não se sabe onde, e os vai arrastando pelos caminhos.
Numa das suas últimas aparições, soprou o vento forte de julho e arrancou uma flor de um galho de ipê. Era um ponto luminoso e mágico, renascentista, de quem nasceu num buquê alto de um galho retorcido e feio, despido de folhas. A flor do ipê dançou no meio da neblina, a coloriu de amarelo.
Não se pode alimentar redemoinhos de pontos negros, eles -mesmo miseravelmente pequenos- deixam tudo cinza. Como não se deve iludir com verdades palpáveis.
A neblina pretende voltar, melhor, mais consistente talvez. E para ela a cor da esperança é amarela, em agosto!
Escrito em julho de 2005, editado em julho de 2009*
Em Vila Velha: somente uma brisa fresca, uma maresia já que estou tão perto do mar. E esta brisa fresca traz consigo pó de minério, porque nem tudo é perfeito e tão perto também temos a Vale! O pó incansável deixa móveis e tudo mais com uma fina camada cinza escura, por mais que se limpe... Mas o sol, amarelo, reina pleno todas as manhãs!!!
*A gente não vê mas canetas, lápis e teclas de computador têm asas....
Foto: Ipê amarelo da Estação Ferroviária por Rodrigo Vicentini
Esses novos ares estão tomando muito seu tempo, já que ficou distante daqui um bom período. Bjo. JU
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirVc me adicionou no flickr (Açucarada), mas me desculpe, não estou me lembrando de vc...Muito lindo o que vc escreve, tem a ver comigo. Sou mineira tb e moro em Vila Velha.
Bjus
Flávia