quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cronista



Ah, eu sou não poeta
Quem me dera ser poeta e poetar
Falar e não dizer
Palavrear com encantamento um pensamento

Não sou poeta
poeta é Pessoa, Drummond e José Antônio
eu falo de afetos sem calor ou sabor e cor
poeta é Vinícius, Quintana, Elisa Lucinda e Adélia Prado

Eu não sou poeta não
Sou errante e dedilho letras com insensatez
Conclamo a dor sem pudor
mas não sofro pra desabafar, e sim pra tudo guardar

Não sou poeta
sou o segredo escondido debaixo do comprido cabelo
sou o sorriso que escapa inteligentemente mentiroso
não recito meus verbos arranjados, nem os aprecio

Não sou poeta
sou a prisão conveniente sem grades rígidas
sou o guardião do meu outro eu vilão
não caminho ligeiro, mas tenho tanta pressa

Não sou poeta
sou a escuridão da noite vestida de branco-lua cheia
sou a caçada encurrala e calada
não sou a sombra, mas sei onde ela cai

Não sou poeta
sou a lágrima que cai sem cerrar os olhos
sou um lamento quase silencioso com som de gargalhada aguda
não sou a solidão, mas ela me conhece bem

Não sou poeta
o que escrevi já perdi
não tem rascunho nem reverso meu verso
sou a menina doce com gosto amargo

Não sou poeta
meu livro é um lírio que não abriu
que exala um perfume forte que às vezes sufoca
sou a fada boa com espada afiada e embainhada

Não sou poeta
nem flor, nem beija-flor
mas aprendi brincar de lirismo num liceu antigo
sou um resto de sonho ansioso e morno

Não sou poeta
é acanhado meu vocabulário
minha rima miúda mendiga pela rua
sou a força de um monossílabo profanado na fraqueza da alma

Não sou poeta
não sei desejar puramente como tal
descrevo com adjetivos os rancores e carrego um baú de troços
sou um despertador de manhã anunciando um novo amor, mas volto a dormir

Não sou poeta
confronto a palavra aniversariante e agonizante
não danço no ritmo e improviso a canção no refrão
não sei conter a empolgada vida que brota, disfarço com brandas rotinas

Não sou poeta
nem água da chuva ou fonte
escrevo um rio que deságua no seu mar
não sou a saudade, mas ela é uma amiga

Não ouso ser poeta
sou indiferente com frases tolas e teimosas reticências
sou o querer versus poder igual a delírio
Eu não sou poeta, mas queria tanto

Não sei manter a espinha ereta
por isso não sou poeta
mas minha janela está aberta
e eu vejo tudo, sinto tudo, quieta...

Foto: Drummond e eu, Copacabana, dezembro de 2008

5 comentários:

  1. Aplausos à cronista e à poetisa!!!
    Lindo Maria...
    Bjokas

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  2. Ah não, depois te tudo isso q eu li eu posso dizer: vc é poeta (ou poetisa, sei lá)!!!!
    Bjs
    Danielle Cipriano

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  3. Obrigada pela visita aqui, vizinha! Adoro! Bjos

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  4. Ok KK!
    vc é uma poeta modesta!

    e esta ótima a foto com o "Drummond". parece que esta rolando altos papos. kkkk

    Abraços

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