Segunda-feira
de carnaval (de um ano de sua preferência).
A música
ritmada por tambores inebriava os foliões que se lançavam à chuva de confetes sob
uma noite pontilhada de estrelas e carregada de suspiros e brisas amenas. Em
meio a multidão, uma Colombina vive sua fantasia e sorri naturalmente, é
carnaval, o salão do clube está cheio de alegria. O par da menina, claro, é um
altivo Pierrô. Os dois vão dançando
enlaçados ou sambando lado a lado, se cortejando e compondo aquela atmosfera. Uma
história está para ser contada, para alguns se tornará uma lenda...
Eis que de
repente, o som de muitos guizos desconcerta os olhares. Os sinos adornam a
fantasia de um garoto que adentrou o baile, é o colorido Arlequim, vestido de
desordem e liberdade. Ele tem o brilho das coisas verdadeiras, o amor lhe cerca
e o banjo lhe completa. Os aguçados ouvidos da inveja rapidamente o ouviram e
olhos medrosos o avistaram. Como num truque barato, malvado, assaltado pela
insegurança, o ciumento Pierrô muda o ritmo, rodopia estupidamente seu par e
com movimentos bruscos conduz a Colombina para fora do salão. Ela cai no
chão...
Tolo Pierrô,
foi o temor de que o sorriso do Arlequim pudesse iluminar o rosto de sua amada
ou talvez (quem um dia irá saber) de que o coração da Colombina redescobrisse a
contagiante presença do Arlequim. Mas o que se deu foi que a menina não entendeu
a insensatez, porque as coisas quando toscas não tem razão. Estava tão feliz,
apenas se deixava levar pela magia do carnaval, o que a mais ela fez? Se
perguntava com os olhinhos perdidos.
Pierrô,
palhaço triste, viu a decepção no rosto pálido da Colombina e não aguentou
fita-la mais, deixou-a ali no chão e saiu correndo com sua fantasia de covardia.
Sem graça, a
Colombina se ergueu com a ajuda de outros, tinha algumas dores, mas não sabia
onde, estava machucada, mas não havia feridas à mostra. E agora? Como voltar à
dança? Melhor descer as escadas da realidade e deixar o salão. Nem sua fantasia
esconderia sua desilusão.
Ao chegar à rua ela ouviu uma marcha sombria e
conhecida, estava prestes a desfilar na avenida um bloco típico. O cortejo era
o qual na sua infância ela mais gostava, embora tivesse enorme pavor! Era um
bloco, muito antigo, tradicionalíssimo na cidade, onde os foliões se
fantasiavam de criaturas da noite, bizarras, mal assombradas, vivos-mortos,
vampiros asquerosos, fantasmas medonhos, caveiras horrendas, almas penadas que
talvez desfilassem desde sempre, como convém às coisas eternas.
A Colombina,
exímia dançarina que dança conforme a música, sem pensar e apenas sentindo, foi
assim se juntar àquela procissão de horrores. Desfilando suavemente sua dor no
meio do bloco, foi desenhando sua coreografia, deixando cair sua mãozinha e
outrora a levantando ao som mais agudo de um clarinete (o/), como se fosse um
balé de uma pequena bailarina de antigas caixinhas de música.
E assim com
coragem e leveza, integrada estranhamente ao bloco, desceu a avenida jurando
aprender a seguir sozinha, pois passista não significa passiva! O desfile na
avenida foi sua viagem, sua catarse, um legítimo enterro daquilo que ela não
desejava mais, daquelas sensações mesquinhas, das ofensas, da solidão maquiada.
Eram todas aquelas caveiras...
O Pierrô
está chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão, na estrada da vida,
e sua lágrima pendente se eternizou tal como tatuagem embaixo do olho esquerdo.
O Arlequim?
Se vai ou não vai um dia tomar a cintura de Colombina numa sexta-feira,
descendo a ladeira, não importa agora. Isso é assunto para outros carnavais,
caros foliões! Já adentramos aos ritos quaresmais...