segunda-feira, 14 de julho de 2025

Crônica da barraquinha do Carmo


Um paraíso gastronômico raiz da minha aldeia, são as barraquinhas que funcionam ao lado da igreja durante o exercício piedoso da novena de Nossa Senhora do Carmo. Veja bem, chegue cedo, antes da prece, e garanta seu doce “Amor em pedaços”, um deleite de massa amanteigada com doce de abacaxi, dos deuses, ops, dos Santos carmelitas! Depois vá assistir à missa, e rezar as orações e ladainhas da novena ao som dos maravilhosos hinos do Padre José Maria Xavier, executados com brilhantismo pela orquestra Ribeiro Bastos. 
Aliás, pós novena os músicos também frequentam as barraquinhas, afinal ninguém resiste! E são tantas opções maravilhosas… para provar, espaçadamente, com temperança de Santa Teresinha de Lieux, a cada um dos nove dias, ou melhor, nove dias da novena do Carmo mais três dias do tríduo de Santo Elias! 
Há que se provar do pão de queijo com pernil, sem julgamentos ou culpa. Se é da turma do pastel e do churrasquinho, se jogue! Atenção para o nome correto de um dos caldos: é de muganga, difere de abóbora segundo consta o vocabulário destas bandas, é de sabor marcante, do tipo muito especial, como que vinda daquelas antigas bancas das italianas do Mercado Municipal, e com tendência à magia de fadas madrinhas! Salpique cebolinha e se permita umas gotinhas de um especialíssimo molho de pimenta! 
Você será atendido por gente que entende do servir, todos devotos Dela! Ahhhh… mas está terceirizada… bem, a atmosfera continua a mesma, as receitas tradicionais também! 
Para esquentar que tal um quentão? Legítimo, com todos os sabores que se espera, o gengibre, o cravo, a canela… tudo sútil sem um sobrepor o outro no paladar. Mas atenção, o bispo proibiu a cachaça no quentão, embora eu conheça quem leve uma dose de pinga escondida e coloque lá na hora, por conta do freguês, afinal o bispo proibiu a venda. 
Ainda nesta questão de tentar se esquentar nestas típicas noites geladas de julho, você pode provar da Canjica, esta não tem igual, é de herança que se passa o bom fazer desta iguaria. Tudo também na medida, o leite, o doce, o amendoim, o coco, o milho da canjica cozido ao dente, o toque da canela! Se não estiver quente o suficiente, a tia sabe e pede para esperar e então ela liga o fogão e esquenta o caldeirão até a temperatura ideal! Santa Tereza d’Avila, em sua sabedoria, degustaria!
De uns anos pra cá, começou a tendência do macarrão, que não é minha praia, mas tem boa aceitação entre alguns. E tem mais doces, cajuzinho, canudinho de doce de leite, cocada, doce de batata doce roxa, e outros doces antigos. E tem a víspora, atenção para o termo correto novamente, não venha chamar de bingo, é víspora, muito mais legal que “tigrinho”, com aquelas cartelas antigas e marcação com grão de milho, o prêmio, na fim da boa diversão, é o que menos importa. 
E a barraquinha do Carmo é assim de todos, espaço democrático que vai do ex-reitor da universidade, do conceituado escritor que mora em BH, do médico, do melhor professor de Letras, do ex-comandante do batalhão, do bêbado, e do fiel simples são-joanense que, de geração em geração, mantém a tradição religiosa, social gastronômica da reza com barraquinha! Que Nossa Senhora do Monte Carmelo abençoe, perdoe os exageros da gula de quem não teve a perseverança de São João da Cruz e interceda por todos os que trabalham e curtem esses dias tão especiais!