terça-feira, 12 de novembro de 2013

Habitantes do centro histórico


Ah esses seres únicos do centro histórico! Indivíduos mansos, incomuns, de hábitos singulares, seculares e severos consigo mesmos. Vivem rodeados de sobrados, sombras, gradios portugueses rebuscados, beiras, seveiras e sob telhados coloniais. São animais que praticam a amizade, a temperança, a bondade e a solidariedade por longos 300 anos. Os vejo caminhando sem pressa pelas ruas de tortos paralelepípedos, nas esquinas, nos becos e nas alcovas das suas casas. Habitam também torres, guardam e zelam pelas capelas dos Passos. Se refugiam em bando nas igrejas para reza de terços, missas, novenas solenes e Te Deum Laudamos (Te Deum então, adoram! Com muito ajoelha-levanta) Não que sejam, ou querem ser santos, não se trata disso, porque eles carregam sim seus pecados, seus passados e espiam uns aos outros através de janelas baixas. Às 15h das sextas-feiras, sob o dobre dos sinos dos Passos, ascendem incensos no interior de seus estabelecimentos comerciais. Alimentam-se de frangos ensopados, rapadura, pão de queijo, queijo, doces em compota com queijo, doce de leite com queijo, goiabada com queijo, bolinho de feijão, amêndoas de cartuchos, e de toda a sorte de quitandas de padarias antigas. Só tomam café Tamandaré ou Soberano, só cozinham arroz soltinho se for Albarusca e só varrem a casa com vassoura piaçava Rossi! Estranhos... Que não se tente enjaula-los em belas mansões de condomínios no Alphaville ou em impessoais apartamentos do alto Leblon! Esses seres não serão felizes, apenas sobreviverão, eles precisam de horta para cultivar rosmaninho e ora pro nobis, precisam sentir o cheiro do adobe, da madeira de demolição, do ferro fundido e da Dama da Noite. Nas procissões, orgulham-se de vestir uma opa de irmandade e carregar uma lanterna, curvar-se diante de andores e lhes jogar pétalas de rosas. Querem apreciar os fogos iluminarem o céu e ver passar a banda no final. Que ninguém os julguem como segregadores, mas é que quem nasceu no centro histórico de São João del Rei nos arredores dos Largos das Mercês, Carmo, Rosário, da Cruz e do São Francisco, tem raízes mais profundas, proporcionais à altura de palmeiras imperiais, possuem ouvidos afinados por badaladas de bronze e violinos de bicentenárias orquestras. A vida não lhes é diferente, é hora difícil e hora leve, mas a fé é tradição e esperança do amanhã assim como uma peculiar alegria simples! 

6 comentários:

  1. Valeu KK, parabéns, gostei imensamente, abraços.

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  2. KKzinha, me transportei para nossa terrinha e, principalmente, para o largo do Rosário e senti todos os aromas desde o pão de queijo, passando pelo cheiro dos fogos depois que termina o barulho e ou "estrelinha" e até o cheiro das pétalas heheh que delícia!!! Ainda bem que tivemos e temos isso na alma, no coração, no olhar e no sorriso até hoje!! :) Karlinha

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  3. Adoro despertar estes aromas adormecidos! Obrigada amiga!

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  4. Que retrato mais fiel de nossa alma são-joanense é este que você nos revela neste post? Você nos mostra uma radiografia, uma ecografia, uma tomografia, uma ressonância magnética da emoção que pulsa e corre pelos labirintos da existência que se eterniza no tempo de vida de nosso coração. Só quem vive sabe. Por isso você nos revela tão bem! Muito obrigado e grande abraço...

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  5. Antonio Emilio, é sempre uma honra ter sua visita! Obrigada pelas palavras!

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