terça-feira, 28 de abril de 2009

Quende

Há muita gente que diz bala de coco. Eu falo como aprendi com minha mãe, bala quende. 'Candy' que é doce em inglês, nem suspeita que numa tal terra nascida em minas, cravada em vale, cercada por serra do Lenheiro, tem tal bala que derrete no tocar do céu da boca de tão suave docemente ‘quende’. Festa de criança tem aos montes em bandejas de três andares, enroladas em papel de crepom multicor, franjado, festivo e retorcido. Muitas vezes decepciona quando verificamos ao paladar que se trata da bala de coco ‘de supermercado’, dura, que desolação! Quando a surpresa é positiva tratamos logo de espalhar: “Hum ó, é da boa, que desmancha na boca!”. A preferida da mamãe, das tias e avó era a bala quende da Dona Dulce, que delicada já tem no nome um ‘que’ de doce. Eu não lembro da sua bala, mas da sua voz, do rosto sorridente e redondo, das medalhinhas no pescoço, da sua casa, quintal e mesinha da sala em formato de feijão. Hoje a vejo ainda na janela, da casa de esquina da pracinha do Largo das Mercês, com muro que pende linda trepadeira rosa, que tem florada em época de páscoa, que dá pro Beco do Cotovelo. Tem coisas que se perdem da minha lembrança, mas eu gosto de ir lá no fundo vasculhar a memória, buscar também em becos tortuosos essas coisas simples e enormes de boas da vida. Vou puxando pelos pensamentos e às vezes uma destas passagens surge como raio novo de sol da manhã. A Dona Dulce é uma destas lembranças, era bondosa, suponho ainda ser, servia leite ao negro Vicente que saia do Tejuco com seu terno, chapelão, boca sem dentes, mas com vasto sorriso e bule de alumínio na mão para buscar a doação na casa da Dulce. Será que o Vicente além do leite, sequer um dia provou uma bala quende feita por ela? Eu espero sinceramente que sim, afinal era a melhor, segundo minha mãe, tias e avó, eu mesmo não lembro. Sei que a tal bala branca como neve dá trabalho pra fazer, tem que misturar os ingredientes, levar ao forno, espalhar em pedra mármore e depois puxar, puxar, puxar um melado de cor marrom-guaraná até que fique branco, branco, branco tom de pérola. Guerra braçal à parte, não podia ser mais divina a roliça e enrugadinha bala quende.
Hoje eu compro, quando tem, na padaria da avenida, vem em saquinhos ou vasilhinhas descartáveis de plástico e elas, as danadas balas brancas, chamadas de coco têm essa magia, esse gesto desaforado e bandido, de escapar em desmaio dissolvente na boca e provocar tamanho alvoroço de prazer! Glicose às alturas e sorrisos caminho afora. Queria eu viver docemente como Dulce Mendes, por muitos anos ver as procissões serpentearem o Largo das Mercês e ser testemunha das floradas da trepadeira de mimosos cachos rosáceos do muro do Beco do Cotovelo. Será qual o segredo? Talvez vencer batalhas braçais ou não e fazer nascer balas que de tão doces doem em algum canto da gente, espantando desilusões: a quende da melhor qualidade!

P.S.: Ainda estou sem conseguir publicar fotos, itálicos, links, mas vou deixar aqui para imaginação dos caros leitores: a foto em questão era claro, do Beco do Cotovelo com a trepadeira florida. Se não der pra imaginar, passa lá...Bjos, KK

Um comentário:

  1. Lembro direitinho da minha mãe fazendo! Do puxa daqui,puxa de lá até ficar branquinha.... aiai, que saudade...!

    bjos
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